domingo, 26 de setembro de 2010

A História da 'Fórmula Indy' - Primeira Parte

Antes de mais nada, algumas considerações:
O termo "Fórmula Indy" só existe no Brasil. Foi criado nos anos ´80, quando as primeiras transmissões da então CART começaram a ser exibidas - graças à Emerson Fittipaldi - pela TV Bandeirantes. Não encontrei informação a respeito, mas não tenho dúvidas se quem 'batizou' a categoria com este nome tenha sido o próprio Emmo... (Embora, por precaução, Tony George tenha sob seu poder todas as variações possíveis e imagináveis envolvendo o nome Indy. Inclusive Formula Indy)
Nos EUA, os autódromos são privados, ou seja, não estão vinculados à governos municipais ou estaduais. Indianápolis foi idealizado, construído e é mantido por particulares. Graças a Deus...

Não é uma tarefa muito fácil condensar quase 100 anos de história tão rica e fascinante em algumas linhas, mas vamos lá:

A história das competições de monopostos de rodas expostas nos EUA é singular, pois ela tem uma mãe e um pai. A mãe se chama Indianapolis Motor Speedway. O pai, Tony Hulman.

A Gênese - A Era AAA (1902-1955)
No começo do século XX, na Europa, as competições com um invento novo e desafiador chamado automóvel ocorriam em estradas esburacadas e tortuosas, onde se ofereciam valores em dinheiro ao vencedor (daí o termo "Grande Prêmio" para as corridas). Na América, um grupo de visionários liderados por Carl Fisher desenha um grande oval num descampado. Inspirados pelas mais óbvias formas geométricas, mal sabiam estes aventureiros o que o destino reservava àquelas duas retas e quatro curvas à esquerda.
A nascente indústria automobilística americana pretendia testar seus protótipos em um ambiente livre de trãnsito, em condições supostamente seguras (não havia cinto de segurança...) e onde fosse possível alcançar a velocidade limite, o máximo do desempenho. É bom lembrar que Indianapolis fica a uma distância razoável de Detroit, berço das principais montadoras, o que favorecia o deslocamento para testes.
Em Indianapolis, pacata cidade de Indiana, começam as obras do grande circuito de 2,5 milhas (quase 4 Km), idealizado por Carl Fisher. Em 1909 o circuito foi concluído e a primeira edição das famosas 500 Milhas de Indianápolis ocorreu em 1911, organizada pela AAA (American Automolbile Association), tendo como vencedor Ray Harroun com 120,060 km/h de velocidade média.
A data escolhida para a realização das 500 Milhas é o domingo logo após o Memorial Day, dia que a América reverencia seus soldados mortos nas guerras que o país participou. Quem dera a nossa FEB tivesse tamanho reconhecimento...
O pavimento original do circuito era todo de tijolos.
Descobri outro dia, por mero acaso, que os tijolos usados na pavimentação original são de uma simpática cidadezinha do estado de Indiana, chamada Brazil... Portanto, não é de todo errado afirmar que os tijolos mais famosos do automobilismo mundial são Made in Brazil.
O termo Brickyards é um sinômimo para Indianapolis, que só teve sua pista asfaltada em 1961, já sob administração da USAC.
A AAA foi a primeira entidade a gerir um campeonato nacional de automóveis nos EUA, e existe até hoje. O site é http://www.aaa.com/ . Sua atuação é muito similar ao nosso Touring Club do Brasil.
Nos anos de 1917 a 1918 as competições foram interrompidas em decorrência da 1a. Guerra Mundial e de 1942 a 1945 em virtude da 2a Guerra Mundial. Nesta interrupção, o circuito ficou abandonado, e suas instalações e pista ficaram quase inutilizadas.
Uma relevante informação: Em 1945, Tony Hulman adquire o Indianapolis Motor Speedway.  
Os campeonatos incluem além dos ovais, circuitos mistos, corridas entre cidades (estradas) e provas de subida de montanha. As Dirt Tracks, (Pistas Sujas) eram ovais em circuitos de terra. Faziam plenamente juz a seu nome. Mas se havia um tipo de pista temerária, estas eram as board tracks, circuitos ovais com pistas de... tábuas de madeira. Imagine o grau de risco em girar a 200 Km/h sobre um circuito inclinado, sem guard-rails, com pouquíssima aderência... O problema mesmo era quando uma viga de madeira quebrava. Também chamadas de Motordrome, logo um infame trocadilho surgiu: Murderdrome (nem precisa traduzir).
A Fórmula 1, criada na Europa, incluiu a prova de Indianapolis nos calendários de 1950 (ano que surgiu) até 1960, mas poucos pilotos da categoria se dispunham a participar. Nos comentários maldosos da época, dizia-se que faltava à eles uma certa dosa extra de coragem... E que seus carros não eram competitivos nem resistentes para vencer uma corrida tão longa.
Dois fatores determinaram a saida da AAA: Um gravíssimo acidente ocorrido em 1955 nas 24 Horas de Le Mans, onde numa colisão, um carro explodiu nas arquibancadas, matando o piloto e 84 espectadores, e o impactante e fatal acidente de Bill Vukovich, nas 500 Milhas do mesmo fatídico ano. O carro de Vukovich capotou várias vezes e se incendiou fora da pista, matando instantâneamente seu piloto. Assustada com estas tragédias, e mais do que isso, com suas terríveis consequências, a AAA se retira das competições.

Carl G. Fisher e seu sonho
Tijolos Made in Brazil, Indiana, USA...
Ray Harroun, primeiro herói da Indy 500
As temíveis board tracks
As instáveis dirt tracks

domingo, 5 de setembro de 2010

"500 Milhas" ("Winning") 1969 - Universal Pictures (Quando Paul Newman descobre sua paixão pelo automobilismo)

Esporte e Cinema.
A Sétima Arte tem  produzido belos e memoráveis filmes sobre o automobilismo (e acho que já assisti a quase todos), como Grand Prix, de 1966,  tido por muitos como a melhor produção já realizada sobre o tema; As 24 Horas de Le Mans, com o inesquecível Steve McQueen; Um Homem e Uma Mulher, do mestre Claude Lelouch, obra-prima da nouvelle vague francesa e 500 Milhas (Winning), com o insuperável Paul Newman. Deixo aqui uma importante ressalva: este é o meu filme favorito... Vou tentar escrever um texto mais ou menos isento de maiores tendencionismos. Ou quase... 
Winning no título original, filme de 1969, da Universal Pictures.
500 Milhas no Brasil, A Grande Corrida em Portugal, Virages na França, Indianapolis Pista Infernale na Itália, 500 Millas na versão em língua espanhola...
Seja lá em qual idioma, é um filme espetacular. Narra a vida de um corredor americano, Frank Capua,  vivido por Paul Newman, um sujeito meio introspectivo, obcecado por vitórias, e suas corridas em diversas categorias no automobilismo  na América dos anos sessenta: CamAm (Esporte-Protótipos), Stock Cars (cenas antológicas com uns Galaxie duas portas) e USAC, os famosos Indy Cars.
Joanne Woodward, esposa de Newman na vida real, atua como Elora, uma típica americana dos  anos 60: Separada, mãe de um adolescente, buscando sua felicidade e satisfação no casamento com  Capua; Lou Erding, personagem de Robert Wagner, é o amigo/adversário nas pistas (e fora delas também...).
Está formado o triângulo que move o enredo...

O grande trunfo do filme, na minha humilde opinião, é prender a atenção daqueles loucos por corridas (meu caso) e quem mais estiver assistindo junto (esposas, namoradas, mães e etc. dos caras que são loucos por corridas). 
Ok, ok. Tem muito marmanjo que vai chiar: "Pô, botaram um monte de cena de romance, eu queria ver é corrida..." Garanto que nenhum documentário vai retratar o que é a vida de um piloto - suas frustrações, a pressão, ser "adorado" por uma multidão e depois se ver sozinho, abraçado a um troféu...
A maior parte das cenas de corrida em Indianapolis são das 500 Milhas de 1968, e alguns pilotos reais participam como "atores", vivendo seus "próprios personagens": Dan Gurney, Bobby Unser,Roger McCluskey,  Bobby Grimm.
O lendário Tony Hulman, dono do Indianapolis Motor Speedway, também faz sua devida participação.
As cenas do acidente na bandeira verde, com direito a rodas voando na arquibancada, são reais, da edição de 1966, que feriu vários espectadores.
A trilha, de Dave Grusin, ajuda a compor o clima do filme, em arranjos instrumentais bem característicos da época para as produções de Hollywood.

Não pretendo contar muito aqui, pois prefiro que cada um assista e faça sua própria crítica. Mas destaco algumas cenas memoráveis, maravilhosas:
                                      
A cena inicial, uma corrida de CamAm, com o tema musical ao fundo (o ringtone do meu celular), a vitória, a vibração do público...
Paul Newman está realmente pilotando em algumas tomadas.
Expressão pura da 'era romântica' no automobilismo.

Uma volta num carro de passeio, pelo circuito de Indianápolis. Fica nítido que Newman não está representando - ele está fazendo o que qualquer um de nós faria, feliz da vida, se tivesse tal oportunidade...Será que esta cena estava mesmo no roteiro ? 
O devaneio num pitstop em plena Indy 500,com belas cenas em slow de carros em drift, os boxes, a ousadia dos pilotos, a velocidade e a fragilidade dos carros da época.
Cenas incríveis, que representam bem o espírito de Indianapolis.
Pit Stop and Race Laps Scenes at Indy - "Winning"(1969)/Cenas de Box e Corrida-"500 Milhas"(YouTube)


Após encarnar Frank Capua, Paul Newman trouxe muito do personagem para a vida real..
Apaixonou-se pelo mundo das competições, tornou-se piloto. Anos mais tarde, dono de equipe.
Disputou sua primeira corrida como piloto (categoria GT)  em 1972,  nos EUA.
Correu as famosas 24 Horas de Le Mans de 1979, obtendo um excelente (e surpreendente) segundo lugar,  a bordo de uma Porsche 935. Venceu sua primeira prova em 1983, na categoria TransAm.
Em 1991, com seu amigo Carl Haas, criou a Newman-Haas, equipe que está presente até hoje na IRL e conquistou oito títulos na Indy/ChampCar e participou também na CanAm.
Pilotos de renome guiaram pela equipe, como Mario e Michael Andretti, Nigel Mansell, Christian Fittipaldi, Cristiano da Matta, Sèbastian Bourdais.
Aos setenta anos,  tornou-se o piloto mais velho a vencer uma prova importante, as 24 Horas de Daytona, em 1995.

Ao ver a extensa e triste lista de pilotos que perderam a vida nas pistas, como Greg Moore, Gilles Villeneuve, Art Pollard, François Cèvert, Ayrton Senna, lamento profundamente que um objeto de uns 8 centímetros, branco, e que pode ser facilmente ser esmagado com as mãos tenha tirado a vida de Paul Newman: o maldito cigarro. Sou ex-fumante e sei bem o mal que o tabagismo representa.
Newman faleceu em decorrência de um câncer pulmonar,em 2008.

Nosso eterno campeão Emerson Fittipaldi, em seu livro Uma vida em alta velocidade (Editora Objetiva, 2003) escreveu sobre Paul Newman:
"...No meio daquela temporada (1975), Niki e eu participamos de uma corrida de Stock Cars da série IROC (International Race of Champions) em Riverside, nos Estados Unidos. Quem estava testando os carros era um sujeito boa-pinta, de olhos azuis. Quando o reconheci, não acreditei: Era Paul Newman. Ele gostava tanto de automobilismo que se divertia testando os nossos carros. Andava muito rápido, e eu e Niki Lauda ficamos observado sua performance e marcando o seu tempo. Não me lembro exatamente qual era, mas o fato é que Niki pegou o carro, saiu para a pista e não conseguiu superar o tempo de Paul de jeito nenhum. Fiquei gozando a cara dele: 
- Paul Newman é mais rápido que você !...
Peguei o carro, crente que ia abafar, mas também não consegui fazer a primeira volta no mesmo tempo que Paul. Claro que não podíamos deixar a coisa assim e, depois de duas ou três tentativas, acabamos fazendo o mesmo tempo. Paul adorou aquela pequena competição e, a partir de então, ficamos amigos. Mais tarde, Paul se tornou dono de escuderia na Fórmula Indy e, coincidentemente, meu sobrinho Christian acabou correndo nela durante vários anos."

Para a minha filha, e para todas as crianças (de qualquer idade...), Paul Newman é a voz do juiz Doc Hudson, um carro de corridas no passado, mas devido a um acidente, abandonou as competições, no  divertido filme de animação Carros (Cars, Pixar-Disney, 2006).

 O conselho que ele dá para um novato nas pistas vale para todos:  
Um troféu é só uma taça vazia... 


Um detalhe, uma curiosidade me chamou a atenção durante o filme: Não teria Niki Lauda, o grande tricampeão de F1 se inspirado em Frank Capua, ao "copiar" seu capacete ?